A transformação digital nos órgãos públicos deixou de ser uma promessa para se tornar uma necessidade. Desde 2019, o CIASC atua na digitalização de quase 100% dos serviços do governo de Santa Catarina. 

Em um cenário em que agilidade, transparência e excelência no atendimento ao cidadão são prioridades, o uso de tecnologias baseadas em Inteligência Artificial (IA),— como agentes conversacionais (chatbots), tem se consolidado como uma estratégia eficaz para otimizar processos, reduzir custos operacionais e aprimorar a experiência do usuário, seja ele servidor público ou cidadão.

Este artigo propõe uma reflexão sobre a adoção desses agentes baseados em IA generativa, considerando aspectos relacionados à qualidade de software, usabilidade, segurança, acessibilidade e aos impactos na jornada de atendimento público.

Para ilustrar uma aplicação prática, foram realizadas pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de um agente conversacional no contexto do Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina (CIASC), órgão central da infraestrutura tecnológica do governo estadual.

Agentes conversacionais e IA Generativa

Chatbots com IA generativa são sistemas capazes de interagir com usuários por meio de linguagem natural, oferecendo respostas contextuais e personalizadas. Tais agentes ampliam a capacidade de atendimento, reduzem custos e promovem inclusão digital. A literatura aponta que, quando bem projetados, esses sistemas contribuem significativamente para a experiência do usuário (UX), especialmente em serviços públicos.

Potenciais e desafios de implementação

A aplicação de agentes conversacionais vai muito além da simples automação de respostas: representa uma nova abordagem na relação entre as instituições públicas e a sociedade. No entanto, por se tratar de uma tecnologia emergente, sua adoção envolve tanto benefícios quanto desafios a serem considerados.

Benefícios estratégicos:

Principais desafios:

Sugestão de metodologia de implementação

A metodologia proposta neste estudo fundamenta-se no Design Thinking, com ênfase no processo de Design Duplo Diamante, um modelo estruturado de resolução de problemas desenvolvido pelo Conselho de Design do Reino Unido para designers gráficos. É um modelo amplamente adotado em processos de inovação por sua capacidade de ampliar a compreensão do problema antes de definir soluções, evitando decisões precipitadas e promovendo abordagens mais eficazes e centradas no usuário. 

O Duplo Diamante organiza o processo em quatro fases: descoberta, definição, desenvolvimento e entrega, possibilitando uma visão holística e interativa das necessidades e expectativas dos usuários, especialmente em contextos de serviços públicos mediados por tecnologia. Aplicado à implementação de agentes conversacionais com IA generativa, esse modelo permite alinhar os objetivos institucionais à experiência do usuário final, desde a identificação de demandas até a entrega da solução validada.

Etapa 1: Descoberta

A etapa inicial da implementação de agentes autônomos no setor público consiste na identificação dos setores mais beneficiados e das demandas mais recorrentes dos cidadãos. Isso envolve mapear os serviços que podem ser automatizados, determinar as informações essenciais para o atendimento e considerar os canais mais acessíveis, incluindo dispositivos móveis e redes sociais, para ampliar o alcance e a eficiência da solução.

Etapa 2: Definição

Com base na análise das necessidades, esta etapa consiste em priorizar os canais de atendimento mais relevantes, considerando a viabilidade técnica, o impacto social e a capacidade de resposta dos sistemas. O objetivo é garantir implementações rápidas e eficazes que atendam às demandas mais urgentes da população.

Após as duas primeiras etapas — exploração e definição de estratégias — tem início a fase de cocriação, que envolve a colaboração entre diferentes equipes técnicas. O objetivo dessa etapa é estabelecer as melhores abordagens para o desenvolvimento do chatbot, considerando aspectos como arquitetura, integração com bases de dados, fluxos de atendimento e usabilidade da solução.

Etapa 3: Desenvolvimento

Esta fase envolve três etapas integradas. Primeiro, o mapeamento de processos identifica fluxos de atendimento que podem ser otimizados por meio de um chatbot, como suporte técnico, informações sobre licitações ou legislação. Em seguida, realiza-se o levantamento de documentação, reunindo materiais como manuais internos, FAQs e normas legais para treinar o sistema. Por fim, é desenvolvido um MVP (versão 0.1) com funcionalidades básicas, voltado ao teste de um conjunto limitado de perguntas frequentes, permitindo validações iniciais com foco em um serviço específico.

Para garantir precisão e contextualização das respostas, recomenda-se o uso de RAG (Retrieval Augmented Generation), que combina Large Language Models, modelos de IA que usam técnicas de aprendizado de máquina em grande volume de dados e podem gerar textos semelhantes aos humanos, com bases de dados institucionais. A ferramenta Docling (Python) pode ser utilizada para converter documentos em formatos estruturados, viabilizando a extração de conteúdo por parte do agente conversacional.

Etapa 4: Entrega

Após o desenvolvimento do MVP, realiza-se o teste com equipes-piloto, envolvendo um grupo restrito de usuários — como servidores ou cidadãos — para avaliar o desempenho do chatbot em situações reais. Com base nesse feedback, procede-se aos ajustes e produção, refinando o sistema e lançando uma versão final ampliada para uso público. Por fim, inicia-se o monitoramento contínuo, com acompanhamento das métricas de desempenho (como volume de interações e taxa de acerto), coleta de feedback e atualizações regulares. Essa etapa garante a evolução constante da solução e sua adequação às necessidades institucionais e dos usuários.

A qualidade de software é essencial para a eficácia de soluções públicas digitais. A norma internacional ISO/IEC 25010 (2011) define atributos como confiabilidade, usabilidade, segurança e eficiência. Já a ISO 9241-11 (2018) enfatiza a ergonomia da interação humano-sistema, avaliando eficácia, eficiência e satisfação.

A avaliação deve considerar:

A adoção de linguagem acessível e livre de jargões técnicos é essencial para promover inclusão e usabilidade.

Conclusão

A implementação de agentes conversacionais com IA generativa no setor público representa um avanço significativo rumo à inovação com responsabilidade.

Mais do que tecnologia, trata-se de adotar uma nova postura institucional orientada pela eficiência, pela transparência e pela excelência no atendimento.

O futuro é colaborativo, digital e humano. E os chatbots bem implementados, com qualidade de software garantida, serão um dos pilares dessa nova era.

Agentes conversacionais inteligentes e bem projetados significa fortalecer sua capacidade de atender às demandas da sociedade catarinense de forma moderna, ágil e eficaz, pavimentando o caminho para um futuro digital mais acessível e eficiente para todos.

Daniel Mazon da Silva – Doutorando em Design/UFSC. Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC) na Assessoria de Tecnologia e Inovação (ATI) do Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina (CIASC). 

Sandra de Sá Laranjeira – Especialista em Engenharia de Software. Pesquisadora da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC)  na Assessoria de Tecnologia e Inovação (ATI) do Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina (CIASC).